Empresas brasileiras refutam tarifaço e investigação comercial nos EUA. Veja os argumentos apresentados
Por: Bruna Lessa, Bernardo Lima, Bruno Rosa e Glauce Cavalcanti
Fonte: O Globo
O governo brasileiro enviou na segunda-feira resposta ao Escritório do
Representante de Comércio dos EUA (USTR, na sigla em inglês), na qual pede
que o governo americano reconsidere a investigação aberta pelo órgão, diante
de possíveis consequências adversas para as relações entre os dois países.
Depois que Donald Trump anunciou um tarifaço de 50% sobre produtos
brasileiros, que entrou em vigor neste mês, o USTR abriu processo para
investigar supostas “práticas desleais” comerciais do país.
O processo, com base na Seção 301 da Lei de Comércio americana, lista tópicos
que vão do acesso ao mercado de etanol, passando por desmatamento, combate
à corrupção, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre redes sociais,
pirataria na Rua 25 de Março e até o uso do Pix.
A investigação representa um risco adicional, já que, a depender da decisão,
pode resultar em novas restrições. No documento enviado aos EUA ontem, o
Brasil diz que não há base jurídica ou factual para imposição de sanções
comerciais e “afirma que seus atos, políticas e práticas não são, de forma
alguma, injustificáveis, discriminatórios ou onerosos ao comércio dos EUA”.
Diálogo construtivo
“O Brasil insta o USTR a reconsiderar o início desta investigação e a iniciar um
diálogo construtivo. Medidas unilaterais previstas na Seção 301 podem
comprometer o sistema multilateral de comércio e ter consequências adversas
para as relações bilaterais", escreveu o governo brasileiro na resposta. “O Brasil
permanece aberto a consultas e reafirma seu compromisso de resolver
preocupações comerciais por meios cooperativos e legais”, diz outro trecho.
Na carta, o Brasil diz não reconhecer a legitimidade de investigações ou ações
retaliatórias comerciais fora da Organização Mundial do Comércio (OMC). “O
Brasil reitera sua posição de longa data de que a Seção 301 é um instrumento
unilateral incompatível com princípios e regras do sistema multilateral de
comércio.
O Brasil não reconhece a legitimidade de investigações, determinações ou
possíveis ações retaliatórias tomadas fora do quadro jurídico da OMC, que é o
único fórum apropriado para a resolução de disputas comerciais entre seus
membros”, diz o texto. A carta refuta os tópicos levantados pelo USTR na
abertura da investigação.
O governo não foi o único a responder. Ontem, perto de 80 manifestações
estavam registradas na página do USTR. Foram protocoladas por associações e
companhias dos dois países, como a Confederação Nacional da Indústria
(CNI), Unica (da indústria de cana-de-açúcar e bioenergia), Embraer, Taurus,
Associação de Madeireiros do Mississipi, X, Coalizão de Integridade de Madeira
Compensada Estrutural dos EUA.
Parte delas, a exemplo de CNI, Confederação Nacional da Agricultura (CNA),
Abipesca e Embraer, pedia para participar da audiência marcada para o dia 3 de
setembro. O total de manifestações será divulgado pelo USTR, excluindo os de
tom panfletário ou político.
Processo deve levar 1 ano
No documento enviado ao USTR, a CNI buscou rebater críticas e destacar
avanços do Brasil em diferentes áreas. Afirma que o Brasil não adota práticas
que prejudiquem empresas americanas no comércio digital e nos serviços de
pagamentos eletrônicos, citando o Pix como exemplo de inovação comparável
ao FedNow, do Federal Reserve (o banco central americano), e efeitos positivos
em inclusão financeira e comércio eletrônico.
Outro ponto é que as preferências tarifárias concedidas a países como México
e Índia estão em conformidade com acordos internacionais, sem afetar a
competitividade dos EUA, que já se beneficiam de tarifas médias mais baixas,
em torno de 2,7%, contra 4,7% para produtos indianos e 3,2% para mexicanos.
A CNI ressalta o arcabouço legal anticorrupção do Brasil, com destaque para a
independência do Judiciário e a atuação do STF — fatores que, segundo a
entidade, garantem previsibilidade e segurança ao ambiente de negócios.
Em relação à propriedade intelectual, cita medidas que reduziram o tempo
médio de análise de patentes para 2,9 anos em 2025 — próximo aos padrões de
países desenvolvidos —, políticas de combate à falsificação e à pirataria. E
rebate críticas relacionadas ao etanol, afirmando que o Brasil não adota práticas
discriminatórias aos EUA.
Na agenda ambiental, a CNI destaca o fortalecimento das leis e da fiscalização
contra o desmatamento ilegal, além do controle sobre a produção e
comercialização de produtos florestais, que exige licenciamento em todas as
etapas da cadeia produtiva. Outras instituições enviaram declarações de apoio à
carta da CNI, como Abicalçados, Abipeças, Abiquim, Abrinq, Abit e Abividro.
A CNA concentrou sua defesa em três pontos: tarifas preferenciais, acesso ao
mercado de etanol e desmatamento ilegal.
— O Brasil se tornou um grande exportador agrícola porque somos altamente
produtivos e competitivos. A CNA, que representa mais de 5 milhões de
produtores rurais brasileiros, tem confiança de que a investigação americana
comprovará o compromisso, não só do agro, mas de toda a economia brasileira,
com um comércio internacional justo, transparente — disse Sueme Mori,
diretora de Relações Internacionais da CNA.
Em carta, a Embraer afirmou que a imposição de restrições a importações da
empresa seria “diretamente contrária” aos interesses dos EUA e diz que
desempenha “papel crítico” para o sistema aéreo americano. Outras empresas
se manifestaram, como a Incepa, de louças sanitárias, e Triunfo, de erva-mate.
Do lado americano, o X, de Elon Musk, diz que o Brasil representa uma das
maiores bases globais de usuários e mercado estrategicamente significativo, mas
que há preocupações quanto à previsibilidade regulatória, proporcionalidade na
aplicação da lei e proteção do comércio.
A expectativa é que negociadores de Brasil e EUA voltem a debater o tema em
audiência pública em dezembro. Se o USTR concluir que o Brasil tem práticas
anticompetitivas, poderão ser adotadas novas barreiras a produtos brasileiros.
O processo deve levar, no mínimo, um ano.
A resposta do governo
Defesa do Pix
· A carta infraestrutura pública de acesso aberto para modernizar o
mercado de pagamentos, aumentar a concora apresenta o Pix como
iniciativa que aumenta a eficiência, competição e inclusão financeira. “O
Pix foi criado comrência, promover a inclusão financeira e reduzir os
custos das transações”.
Decisão do STF sobre redes
· O Brasil nega que decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre
responsabilidade de plataformas por conteúdo de usuários sejam
discriminatórias ou prejudiciais a empresas americanas.
· Argumenta que as decisões não impõem responsabilidade estrita às
empresas e exigem ordem judicial na maioria dos casos de conteúdo
ilegal, exceto em casos ligados a crimes graves como terrorismo,
pornografia infantil e crimes contra a democracia.
Propriedade intelectual e etanol
· Os EUA se queixam da pirataria e citam a Rua 25 de Março. O Brasil diz
que suas políticas são consistentes com compromissos internacionais de
combate a esses crimes.
· Sobre etanol, o governo diz que não impôs barreiras discriminatórias ao
etanol dos EUA (a tarifa brasileira é de 18%, a dos EUA é de 52,5%).
Tarifas e acordos comerciais
· O Brasil cita que 73,7% das exportações dos EUA têm tarifa zero. E diz
que acordos com Índia e México estão em linha com regras da OMC.
Desmatamento
· O governo diz agir para reprimir o desmatamento ilegal e eliminar a
parcela de produtos com origem em terras desmatadas ilegalmente.